Má sorte?


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Quando algo terrível acontece justamente conosco, costumamos dizer que é falta de sorte. Mas com Nicole, não era apenas falta, mas sim uma maré de azar. Era atrapalhada e desorganizada. Sua vida parecia não ter um caminho certo, um objetivo.
Nicole odiava como vivia de modo desventurado. Era apenas olhar para ela, para perceber. Os cabelos castanhos desalinhados, uma combinação confusa e simples de roupas — usava um jeans velho e camisa xadrez, sem prestar muita atenção às cores e sem muitas opções de roupas, a maioria tinha manchas de molhos e refrigerante. Essa sua bagunça muitas vezes a impedia de ver no espelho a graciosidade dos traços delicados de seu rosto e de seus lindos olhos azuis. Seus planos sempre terminavam em desastres, confusões ou prejuízos.
Mas isso não era o pior. Nicole não tinha entusiasmo. Nada acontecia em sua vida e por isso ela foi desistindo de tudo. Desistindo da carreira, desistindo do amor... e tudo que o ser humano adora sonhar.
O que eu sei é que Nicole não era boa em matemática, ou física, porém era uma artista plástica nata. Queria ter sua própria coluna numa revista sobre artes.
"Isso é difícil demais para acontecer comigo..." — pensou.
E foi assim que o "azar" fez Nicole desistir.
Na hora do almoço do seu emprego quezilento, foi até a cafeteria, comprou chá gelado e tropeçou numa criança derrubando metade do copo em sua blusa e ainda levou uma bronca da mãe rabugenta. Costume. Cansada, sentou-se perto da janela e começou a observar as pessoas.
Entrou alguém que já conhecia de vista. Não sabia o nome, mas ele sempre aparecia. O ruivo sorridente, bonito e bem arrumado. De segunda a sexta ele passava ali. E ela até gostava. Mas hoje, ele estava diferente. Para a surpresa de Nicole, ele sentou-se. Ele nunca demorava mais de 5 minutos. E ele continuou ali. Nicole ficou acanhada. Ele estava próximo e poderia vê-la. Sentiu-se muito desarrumada para ser olhada por alguém. Rapidamente, pegou sua mochila e saiu. Derrubando algumas coisas pelo caminho, é claro.
No dia seguinte, voltou. No mesmo horário, ele já estava lá, com um notebook. E Nicole com seu caderno de desenho, resmungava consigo mesma.
— Só isso Nicole? — disse Lucas, seu amigo que trabalhava na cafeteria.
— Ahn, é. — ela revirou a mochila, não encontrava a carteira. — Ah, droga.
No mesmo instante, o ruivo parou de digitar e olhou para os dois. Levantou-se e foi até ela.
— Desculpe, eu estava ouvindo. — entregou uma nota para Lucas e sorriu — É horrível esquecer a carteira.
Nicole ficou espantada. Lucas riu:
— Acontece com ela pelo menos uma vez por semana. Quando ela não perde a carteira... Já trago o troco. — e saiu.
— Obrigada, mas eu pago pra ele depois. Não precisa se incomodar. Ele tá acostumado já com essas minhas...
— Relaxa, tá tudo certo. — interrompeu.
Nicole ficou parada.
— Sempre te vejo aqui.
— Me vê? — Nicole arqueou as sobrancelhas.
— Estamos sempre aqui no mesmo horário a tanto tempo, mas nunca nos falamos.
— Minha vida é meio desastrada.
— Ah, é. Eu acho você engraçada. Parece espontânea.
— Isso é uma forma gentil de dizer desajeitada?
Ele riu. Lucas voltou e entregou o troco.
— Aqui Diego. Valeu!
— Diego? — perguntou Nicole.
— Arrã. E você é?
— Nicole.
— Ah Nicole, infelizmente eu vou ter que ir. Mas nos encontramos amanhã, ok?
Ela mal conseguia responder. De repente... isso mesmo era real? "Amanhã... provavelmente estarei internada no hospital, do jeito que eu sou sortuda" — pensou ela.
Ele partiu. E ainda perplexa, lembrou-se de voltar a respirar.
No dia seguinte, mesmo depois de ter sido atropelada por uma bicicleta, Nicole chegou viva na cafeteria, com algumas manchas de graxa na barra da calça. Diego logo sentou-se com ela e começaram a conversar. E isso se repetiu por vários meses.
— Então, você não gosta do seu emprego? — objetou.
— Não... mas o que eu posso fazer?
— Nicole, eu não acredito. Quando eu observava você — isso fez o rosto de Nicole arder — te achava do tipo aventureira...
— O quê?! Rá, rá, rá... Eu tento preservar a minha vida!
— Que vida? Eu acabo de descobrir que você não tenta fazer nem o que gosta! Você não se arrisca!
— O que quer que eu faça? Eu já tentei...
— Você deveria confiar em você. Olha, eu trabalho numa editora. Seria tão fácil se você tentasse com confiança! Eu a ajudaria.
— É fácil pra você Diego. Pra mim, é difícil as coisas acontecerem.
— Porque você vê desse jeito. Você é quem deveria fazer a sua vida. Não o "azar"...
— Eu preciso ir...
Nicole sentiu-se péssima por causa da última conversa e não voltou a cafeteria naquela semana. Chegou a conclusão, que era uma ilusão imaginar que Diego gostaria dela um dia. "Mais uma derrota."
Na segunda-feira seguinte, quando chegou no escritório, ao colocar sua mochila na mesa, notou um post-it:

Você vê dificuldades ou possibilidades?
Eu vejo em você uma possibilidade.
Diego

Os pensamentos de Nicole entraram em choque. Esse tempo todo, ela nunca via uma possibilidade. Desceu até o térreo, precisava falar com Diego. Mas para sua surpresa, ele já estava a sua espera. Ela sorriu e finalmente enxergou que ele era sua oportunidade de mudar e tentar.
— Você é a minha possibilidade de ser melhor e mais feliz. — disse Nicole.
Demorou um tempo, mas Nicole tornou-se ilustradora de uma revista e mais tarde ganhou a sua coluna. Não deixou de queimar o bolo, quebrar os copos, machucar-se frequentemente ou esquecer a carteira. Afinal, era seu jeito esquecido e bagunçado. Que Diego adorava. E dessa vez quem perdia era a má sorte.

14 Responses to “Má sorte?”

  1. Ju Lopes says:

    Ai, eu amei!! A gente deveria parar de culpar o azar ou o que quer que seja pra poder fazer as coisas acontecerem. Por que, no fundo, tudo depende basicamente de nós mesmos. Sabe aquele comercial do Boticário, "Você pode ser o que quiser"? Acredito muito nisso. Parabéns, autora!

  2. Ana says:

    @Pessoa Esdrúxula
    Obrigada Ju! Sabe, os meus textos ainda não são bons, mas o que vale é a tentativa. É algo que eu gosto de fazer, então não posso desistir. Estou em busca das possibilidades. Precisamos ter o desejo e saber aceitar a oposição. Ela vai sempre existir.

  3. Também to apostando nisso, digo, acho que deve seguir sempre escrevendo e com isso eu me animo a postar os meus sempre lá guardadinhos em algum lugar, ultrapassados com certeza, fazzzzzzzz muito tempo que não retomo nada mais extenso... ...
    E... ...gostei de sonhar um pouquinho mais com teu texto... ...É... ...

  4. Unknown says:

    Nossa, adorei! Sempre tem algum lado bom nas coisas, enfim, Deus sabe o que faz.

    Bjs

    http://tvfabulous.blogspot.com

  5. Ana says:

    Pois é, a gente tem que parar de achar que tem algo errado com a vida e ver o que está errado dentro de nós. E mudar pra melhor, claro :)

  6. Isso que você respondeu aqui em cima .. é o mais certo! A gente tem que parar de achar que a nossa vida tá toda errada mesmo, reparar o que não gostamos dentro de nós e mudar isso! Gostei do texto :)

    www.batomnosdentes.blogspot.com
    Beijocas, Maria Luiza

  7. ô Diego!
    Mudanças são semppre boas né, e pra tudo há seu lado bom, isso sim é verdade!
    bjs!

  8. Ai que legal! Adorei as frases finais!!!!! ^^
    Conseguiu escutar Bat For Lashes
    Bsos

  9. Ahh não!!! hahahah
    Não aguento a cara daquela gata!
    hahaahahaha

    bsos
    Ingrid Kali

  10. Adorei o texto! Me identifiquei com o jeito estabanado da Nicole... hehehehe

    beijinhos querida
    Ótima semana
    http://deliriosdeconsumosa.blogspot.com/

  11. Ana says:

    @Pri
    Gostei de saber disso haha, obrigada! Te espero em breve!

  12. Eu ouvi esta música Paciência num outro blog ontem só que com Mafalda Veita e João... ...Achei linda mesmo... ...
    Mas obrigado pela dica, não conhecia com ele, quero dizer, parece até que já havia ouvido... ...apenas uma sensação... ...

  13. Anônimo says:

    Que coisa mais linda!
    adorei seu estilo...

    :*

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